Nessa última semana, rolaram três debates curiosos entre os economistas. Os dois primeiros referem-se à crise americana.
Um deles foi sobre a violenta queda dos preços das commodities. A miopia usual dos economistas de banco criou, recentemente, o debate sobre o decoupling. Trata-se da hipótese de que a economia dos Estados Unidos já não é mais tão importante para o mundo como um todo e que o resto dos países poderiam passar imunes a sua crise. Dizia-se que as trajetórias das economias nacionais estavam "descasadas" ou, para usar o termo chique, decoupled. Esqueceram de avisá-los que o processo contínuo de expansão do capital há muito criou um mundo completamente interdependente. O único "descasamento" concebível é aquele entre a dinâmica do capitalismo e os modelos dos economistas ortodoxos. É verdade que o percentual dos EUA no PIB mundial vem caindo e que a China tornou-se mais um pólo dinâmico da economia do mundo. Mas achar que o império pode cair sem afetar as economias dos bárbaros é um delírio. O tal decoupling estava baseado no contínuo aumento dos preços das commodities, que não haviam sido afetados pela crise dos EUA. Não haviam ainda, agora foram.
Outra notícia interessante do front da crise é a disseminação das defesas sobre uma nova regulação do sistema financeiro internacional. Economistas minimamente progressistas (e até uns assumidamente conservadores) estão abertamente propondo uma regulação financeira mais rígida como resposta à crise. Dois exemplos são interessantes: Paul Krugman e César Benjamin. O que os une? Quase nada, além de ambos terem textos publicados na Folha de sábado que diziam coisas muito parecidas. Se o texto do Krugman é mais rico em detalhes, sua postura parece mais tecnocrátiva. César Benjamin preocupa-se mais em apontar a rede de interesses que sustenta, politicamente, a desregulação financeira. De qualquer forma, ambos defendem mais regulação. As implicações disso podem ser muito maiores do que se imagina à primeira vista. Talvez seja o momento de revisitar a proposta feita por Keynes em Bretton Woods.
Último debate: na ata da última reunião do Copom, os diretores do Banco Central indicaram que podem aumentar a taxa Selic na próxima reunião, uma vez que a demanda está crescendo mais rápido do que a oferta (conforme indicaram os dados do PIB do ano passado, divulgados recentemente) e há risco de pressão inflacionária. Ou seja, mais uma vez o BC trucou o governo. Quando as coisas parecem estar se encaminhando, ele chega de mansinho e lembra: "estou de novo com aquele impulso de acabar com a festa". E o pior é a reação do governo. Como um aumento da Selic seria muito ruim, Mantega já cogita segurar um pouco a demanda para evitar que o BC tome essa medida. A idéia é dificultar a concessão de crédito. Não dá para acreditar. A economia do Brasil finalmente cresce a uma taxa razoável e, à beira de uma crise econômica mundial que pode frustrar a continuidade desse crescimento, o governo já se antecipa e promete garantir a frustração antes que ela venha dos EUA. Esses diretores do BC estão, sim, completamente decoupled. Ou melhor, estão casados na Igreja e no cartório com os interesses dos grupos financeiros, os nossos e os gringos. Tristeza. Fica sobre isso, a melhor frase da semana, para fechar: "Se alguém encostar um revólver na minha cabeça e me obrigar a optar entre aumentar a Selic ou limitar o crédito, prefiro a segunda opção." Júlio Gomes de Almeida. Quem se habilita a tirar o revólver da mão do Capitão Meirelles?
domingo, 23 de março de 2008
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Um comentário:
O mais engraçado é que como resolvi comentar tudo de uma vez, os comentários ficam completamente decoupled uns em relação aos outros, e todos em relação a sua atualidade, rsrs. Dei algumas risadas com o humor do post. Eu queria poder crer que tentativas de regulação pudessem surtir efeitos, e se em BW o Lord dificilmente poderia ter saído vencedor, hoje então o fato de a discussão ser levada a sério por aqueles a quem cabe tomar decisões a respeito, já seria surpreendente. BW foi uma exceção na história do sistema monetário e financeiro internacional. Eu sou leigo nos assuntos, mas não sei nem como seria possível enfrentar questões como controle de capitais hoje - ou algo que pudesse fazer as vezes da medida. Inclusive sobre viabilidade técnica. Podíamos conversar sobre isso um dia. Adoraria ser convencido de que o meu pessimismo se funda em desinformação. Tristes tempos em que a crise está na ordem do dia, mas o mundo do trabalho encontra-se esfacelado, em especial no que diz respeito à sua organização e à sua capacidade de propor alternativas - e, claro, de torná-las viáveis politicamente.
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