quinta-feira, 13 de março de 2008

De calças curtas

Se este blog chama-se "Crítica e Economia", nada mais adequado do que começar criticando as bobagens que o governo (este e os anteriores) vêm fazendo e que nem mereciam o nome de "política econômica". Bom, é o seguinte: há muito tempo que já se sabe que o verdadeiro canal da política de combate a inflação no Brasil é o câmbio. Explico: a taxa de juros é tida como um instrumento de política monetária, porque pode, quando elevada, contrair a demanda (diminuindo os créditos tomados por empresas e por consumidores) e assim segurar a elevação dos preços. No Brasil, no entanto, esse mecanismo não funcionava. O volume de crédito era tão irrelevante, até setembro de 2005 (quando a Selic começou a cair e quando começou o boom do crédito no país), que as alterações da taxa de juros pouco afetavam a demanda. Mas, então, por que deixaram a Selic lá em cima? Justamente porque o mecanismo da política de estabilização era o câmbio. Como as taxas de juros do Brasil estavam (e estão) entre as maiores do mundo, o capital estrangeiro era (e é) atraído para cá e valorizava (e segue valorizando) o câmbio. Com o câmbio valorizado, as importações ficam mais baratas e seguram os preços para baixo. É o sentido da metáfora "âncora cambial"; é o mesmo que fez o Gustavo Franco no primeiro governo FHC. Quais são, então, as conseqüências dessa medida? Basicamente, a combinação do câmbio valorizado com o preço em alta das commodities (decorrente da crescente demanda da China), incentiva substancialmente a nossa produção de bens primários (viva a soja!) e desincentiva nossa indústria doméstica (porque podemos importar bens manufaturados mais baratos). Não é o caso de falar em desindustrialização, mas os efeitos no longo prazo podem ser muito ruins para a estrutura da economia brasileira. Não custa lembrar que o crescimento da China é sustentado por, entre outras coisas, um câmbio DESvalorizado, incentivando a produção industrial doméstica. O pior é que em 2006, para reforçar a política de estabilização, o governo brasileiro isentou de imposto de renda os estrangeiros que investissem no Brasil. Valoriza-se mais o câmbio e, de quebra, transforma o Brasil em um território ainda mais favorável à valorização financeira dos capitais estrangeiros.

Bom, e agora? Agora, o que mudou é que o dólar está se desvalorizando como conseqüência da crise do mercado financeiro. Todas as outras moedas automaticamente tendem a se valorizar. Ainda mais porque, no curto prazo, os capitais estão fugindo dos estouros lá de cima e tentam se esconder aqui embaixo. Como já estávamos fazendo uma política de valorização cambial (apesar do discursinho de que o câmbio é flutuante), agora essa valorização a mais pode se tornar perigosa. Fomos pegos de calças curtas. E o governo está tentanto apagar o incêndio com conta-gotas, discutindo aumentar o IOF cobrado dos investidores estrangeiros entre outras coisas. O problema é que se a crise se aprofundar (e garanto que vai, mas isso é assunto para outra hora), a liquidez internacional some, nossas comemoradas reservas internacionais evaporam e o câmbio se desvaloriza. E aí? Impossível saber os efeitos da crise por aqui...

Enfim, isso tudo é apenas mais um reflexo da nossa política de juros profundamente conservadora. Se a Selic não fosse uma das taxas mais altas do mundo, nosso câmbio não estaria tão valorizado e agora teríamos maior margem de manobra para enfrentar a crise. E, lembrem-se, esse é apenas um dos problemas causados pela política de juros.

Seguem abaixo, os links para a repercussão das medidas divulgadas pelo governo para atenuar a valorização cambial. Foi manchete de capa da Folha:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1203200814.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1203200815.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1203200816.htm

E o comentário do Vinícius Torres Freire sobre o assunto (um dos mais lúcidos, embora às vezes um pouco conservador, comentaristas econômicos da imprensa brasileira):

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1203200808.htm.

4 comentários:

Danilo disse...

Muito bom o post! Aliás, o blog ficou mto louco! Só que eu não tenho senha pra acessar os links da Folha. Alguém sabe burlar isso??? :p

Fernando disse...

Puxa, Danilão, precisa ser assinante ou da UOL ou da Folha para acessar os links. Não tinha pensado nisso. Depois te mando, os textos por e-mail. Que bom que você gostou. Vamos ver se todos compram a idéia de debatermos algumas coisas por aqui.

Mu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mu disse...

Se o câmbio está sofrendo uma valorização a mais, o que explica, ao menos retoricamente, que a Selic não seja reduzida? Se a crise é nos EUA e se os mercados do sul são a alternativa, qual é a questão? Existiria uma prudência ou uma desconfiança de "investidores" nesse cenário que teoricamente justificasse tais níveis? O momento não é propício? Ou muito pelo contrário? rsrs